quinta-feira, 3 de julho de 2008

O Crescimento como Espiral rumo à Totalidade


Os arquétipos são formas heróicas evolutivas, mas não são vivenciadas de forma linear e progressiva. Eu ilustraria a progressão típica do herói como um cone ou espiral tridimensional no qual é possível avançar e retroceder frequentemente ao longo do círculo. Cada estádio tem a sua própria lição a ensinar, e reencontramos situações que nos lançam para estádios anteriores, a fim de que possamos aprender e reaprender as lições, em novos níveis de complexidade e subtileza intelectual e emocional. Nas nossas primeiras tentativas de Guerreiro, por exemplo, é natural que nos comportemos como Átila, o Huno; posteriormente, aprenderemos a exprimir os nossos desejos sem que daí advenha um conflito acentuado. A espiral não se torna mais elevada, mas torna-se mais ampla. À medida que conseguirmos dar respostas mais amplas à vida, teremos cada vez mais escolhas.
O Guerreiro e o Mártir são dois lados de uma concepção dualista da vida, segundo a qual ou se recebe ou se dá. Mas enquanto não pudermos fazer ambas as coisas, não seremos livres. As virtudes que o herói aprende em cada etapa nunca se perdem, mas também não são suplantadas – apenas se tornam mais subtis. Como Inocente, o herói aprende a confiar; como Órfão, aprende a chorar. Como Nómada, o herói aprende a encontrar a sua verdade e a dar-lhe um nome; como Guerreiro, aprende a afirmar essa verdade de modo que esta afecte e modifique o mundo; como Mártir aprende a amar, a comprometer-se e a renunciar.
Todas estas virtudes envolvem um certo grau de dor ou de luta. A virtude acrescentada pelo Sábio é a capacidade de reconhecer e receber a abundância do universo. O Sábio obtém aquilo que o Órfão anseia: o retorno ao paraíso perdido, primeiro a nível microcósmico, depois a um nível macrocósmico. Porém, em vez de o fazer de uma forma infantil e dependente, o Sábio entra no Jardim do Éden alicerçado na interdependência – com as outras pessoas, com a natureza e com Deus. A última lição a ser aprendida pelo herói é a felicidade.
Transportamos a lição de cada estádio para o estádio seguinte: o seu significado é transformado, mas a lição em si não se perde. Por exemplo, no primeiro nível do martírio, os heróis sacrificam-se para conquistar as graças dos deuses ou de alguma figura detentora de autoridade. Mais tarde, fazem-no simplesmente para ajudar os outros. Ao tornar-se Guerreiro, o herói transforma o sacrifício em disciplina; certas coisas são sacrificados para que outras possam ser alcançadas. Como Sábios, os heróis compreendem que o essencial jamais se perde: o sacrifício torna-se a renúncia natural e suave àquilo que é velho, e abre caminho para um novo crescimento, para uma nova vida.
Confiar em si e no seu processo de crescimento significa acreditar que a nossa tarefa consiste em sermos inteiramente nós mesmos e, assim, alcançarmos tudo aquilo de que realmente precisamos para o crescimento da nossa alma. Se estivermos demasiado apegados a um resultado qualquer, tentando fazer com que as coisas aconteçam da forma que desejamos e sofrendo com o insucesso da nossa tentativa, é a hora de cultivarmos a fé do Sábio no universo, no mistério, na capacidade de o desconhecido prover às necessidades de cada um. Reconheçamos que aquilo que queremos e que aquilo de que precisamos não são, regra geral, a mesma coisa. Confiemos no universo, em Deus ou no nosso Eu superior e deixemos que as coisas aconteçam.
Todos nós estamos tão acostumados a pensar linearmente que gostaria de relembrar que não é necessariamente melhor ser Sábio em vez de ser Órfão. Tanto o Sábio como o Guerreiro se arriscam a incorrer na vaidade quando, confrontados com um crescimento real de poder e de auto-confiança, se esquecem de que, em última análise, somos todos dependentes uns dos outros e da Terra para a nossa própria sobrevivência. Há pouco tempo estava a sentir-me particularmente orgulhosa das minhas realizações (Guerreiro) e da minha competência; no entanto, certa manhã acordei a perguntar-me: “Porquê eu?”, quando uma série de desafios, inconveniências e catástrofes me atingiram de uma só vez.
Experimentei todas as reacções clássicas do Órfão: arvorei-me em vítima, senti o desejo de ser salva, adoptei uma atitude de auto-censura, e tive o impulso de fazer dos outros bodes expiatórios. Esta situação, contudo, acabou por me advertir das minhas reais vulnerabilidade e interdependência, e fui forçada a pedir ajuda aos amigos, à família e aos colegas. Tenho tendência para sentir uma auto-confiança excessiva, e precisei da ajuda amorosa de todos para me convencer de que não estava sozinha.
Recentemente, partilhei esta situação com uma turma de alunos e apercebi-me de que muitos alunos queriam aceder ao estádio do Sábio, sem antes pagar tributo aos outros arquétipos. Não acredito que isso seja possível. Porém, caso aconteça, trata-se de uma situação que não poderá ser mantida por muito tempo. Temos de pagar o tributo de cada arquétipo, o que implica permanecer em cada estádio durante algum tempo.
As pessoas que precisam de ter poder sobre as demais para se sentirem seguras costumam temer a passagem dos outros para o reino do Sábio, porque os Sábios não podem ser controlados nem manipulados com facilidade. Esse poder deriva do medo da escassez, deriva do facto de acreditarmos de que não existe o suficiente para todos: é isso que nos leva a competir. Esse medo torna as pessoas dóceis, dependentes, conformistas, na esperança de permanecerem nas boas graças daqueles que detêm o poder, ou fá-las lutar por esse mesmo poder.
No país mais rico do mundo, a motivação das pessoas para trabalhar é o medo da pobreza. As pessoas são levadas a comprar este ou aquele produto para se sentirem amadas. Conforme explica Philip Slater na obra The Pursuit of Loneliness, no nosso sistema social, a publicidade acentua a crença cultural na escassez, criando em nós necessidades artificiais. Em vez de temerem a pobreza em si, as pessoas têm medo de não poderem adquirir um carro de topo de gama ou uns jeans de marca.
Os detentores do poder reforçam a ideia artificial da escassez, porque ela vende produtos e mantém a força de trabalho submissa. A maioria das pessoas não rejeita a convicção de que recursos e talentos são escassos, porque precisa de acreditar que o são. Todos nós temos de empreender jornadas arriscadas, e precisamos de acreditar que os nossos medos são reais. Se não sentirmos fome, carência, isolamento e desespero, como aprenderemos a enfrentar os nossos medos?
Não estaremos preparados para a abundância, para um universo seguro, enquanto não formos postos à prova – por nós mesmos – realizando as nossas jornadas. Não importa quantas pessoas nos amam, não importa quanta riqueza possamos ter à nossa disposição. Atrairemos sempre problemas e sentir-nos-emos sempre sozinhos e pobres, enquanto não estivermos prontos para dar e receber amor.

Texto retirado do http://sonharsimbolos.wordpress.com/2007/11/02/o-heroi/

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